quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Canta, Marlene: das revistas a Chico Buarque, o sucesso no teatro

Mais conhecida do grande público pelo sucesso na música e no cinema, Marlene também foi craque no teatro – arte em que estreou no início de 1950, na revista Deixa que eu chuto, de Lauro Borges e Renato Murce, encenada no Teatro João Caetano. “Marlene tem atributos que lhe garantem êxito também na carreira teatral”, dizia a crítica do jornal A Noite. “Tem personalidade, canta bem e agrada.” Já o Diário Carioca disse que a “sambista vitoriosa” é “absolutamente original”.

Ao longo da década de 50, a cantriz criou sua própria companhia (a Companhia Teatral Marlene e Luiz Delfino), participou de outras revistas de sucesso e de comédias como as produzidas/dirigidas pela atriz Dulcina de Moraes – destaque para Poeira de estrelas, em 1956, e Tia Mame, em 59.

Mas foi na década de 70 que vieram suas participações teatrais mais destacadas, como em Alice no País Divino Maravilhoso (encenada em 1970, no Teatro Casa Grande, com direção de Paulo Afonso Grisolli e direção musical de Sidney Miller), Botequim (encenada no Teatro Princesa Isabel em 1972, com texto de Gianfranfesco Guarnieri, músicas de Toquinho e direção de Antonio Pedro) e Quarteto (no Teatro Ipanema, em 1976, com texto de Antonio Bivar e direção do polonês Zbigniew Ziembinski).

Já em 1979, atuou em outra peça que, de quebra, rendeu pérolas para seu repertório: a Ópera do malandro, de Chico Buarque. Dirigida por Luís Antonio Martinez Correa, Marlene interpretou a cafetina Vitória na montagem paulistana da peça, encenada no Theatro São Pedro. Foi, aliás, para essa temporada que Chico escreveu Uma canção desnaturada, composição pungente cuja interpretação nossa personagem dividia com Abrahão Farc (no papel do cafetão Duran).

Gravada por Marlene com o próprio compositor, a música se tornaria um dos momentos mais bonitos do LP Ópera do malandro, lançado pela Philips no mesmo ano de 79 com as músicas da peça. Outro belo momento do repertório é o bolero Viver do amor, interpretado por Marlene com toda a carga de sentimentos e érres das grandes atrizes dos anos de ouro.

Viver do amor
Chico Buarque

Pra se viver do amor
Há que esquecer o amor
Há que se amar
Sem amar
Sem prazer
E com despertador
- como um funcionário

Há que penar no amor
Pra se ganhar no amor
Há que apanhar
E sangrar
E suar
Como um trabalhador

Ai, o amor
Jamais foi um sonho
O amor, eu bem sei
Já provei
E é um veneno medonho

É por isso que se há de entender
Que o amor não é um ócio
E compreender
Que o amor não é um vício
O amor é sacrifício
O amor é sacerdócio
Amar
É iluminar a dor
- como um missionário

Uma canção desnaturada
Chico Buarque

Por que cresceste, curuminha
Assim depressa, e estabanada
Saíste maquilada
Dentro do meu vestido
Se fosse permitido
Eu revertia o tempo
Pra reviver a tempo
De poder

Te ver, as pernas bambas, curuminha
Batendo com a moleira
Te emporcalhando inteira
E eu te negar meu colo
Recuperar as noites, curuminha
Que atravessei em claro
Ignorar teu choro
E só cuidar de mim

Deixar-te arder em febre, curuminha
Cinquenta graus, tossir, bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca, curuminha
Raspar os teus cabelos
E ir te exibindo pelos
Botequins

Tornar azeite o leite
Do peito que mirraste
No chão que engatinhaste, salpicar
Mil cacos de vidro
Pelo cordão perdido
Te recolher pra sempre
À escuridão do ventre, curuminha
De onde não deverias
Nunca ter saído

Clique aqui para ouvir Marlene cantando Viver do amor ou aqui para ouvi-la interpretar Uma canção desnaturada, em dueto com Chico Buarque.

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