segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Bate-bola com Denis Lobo: ‘Meu pai nasceu pro carnaval!’

Inspetor da Guarda Municipal na carteira de trabalho, grande compositor nas horas vagas – que eram poucas, mas muito bem aproveitadas. A rotina de Haroldo Lobo e seus sucessos de carnaval foram os temas desta entrevista com o filho do homenageado do Concurso Nacional de Marchinhas da Fundição, Denis Lobo (foto), que é compositor como o pai e preside a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (Sbacem). Pois foi na sede da Sbacem, no Centro do Rio, que Denis – carioca de 86 anos – nos concedeu esta entrevista, na qual relembra grandes momentos da trajetória do pai e os momentos de glória dos quais foi testemunha.

Quando foi que você se deu conta de que era filho do grande Haroldo Lobo?

Ah, antes de ele ser esse “grande Haroldo Lobo”. Eu vi meu pai ganhar pela primeira vez o concurso de músicas de carnaval da Prefeitura do Distrito Federal, com Juro, em 1932. Eu tinha seis anos de idade. Depois, acompanhei outras vitórias, outros sucessos dele. Meu pai nasceu pra carnaval! Era a época do ano em que ele era ele, feliz, na algazarra, fazendo música, brincando na rua fantasiado...

Mas ganhou a vida como polícia, curiosamente do lado da lei...

Pois é. Ele era inspetor da Guarda Municipal. Trabalhava na Urca, onde era procurado pelos cantores, que sempre sabiam onde encontrá-lo. Estava de farda e quepe, no serviço, mas volta e meia ensinava música, em plena rua, aos intérpretes que iam atrás dele. Nelson Gonçalves, Gilberto Milfont, Quaro Ases e um Coringa, Chico Alves... Esse era um que não saía lá de casa. Foram muitas músicas de sucesso em carnaval!

Qual sua preferida?

Ah, Tristeza, que foi a última música dele, e Alá-lá-ô, que é minha marcha preferida. Mas é difícil escolher, viu? Foram mais de 600 músicas, muitas delas campeãs do carnaval. Se ele gravava umas 15 em cada ano, imagine quantas músicas ficaram da década de 30 até 1965!

Quais as músicas mais executadas dele?

Ah, sem dúvida, o primeiro lugar é Tristeza. Depois, Alá-lá-ô e Índio quer apito. E um pouquinho mais atrás, Pra seu governo e Serpentina. E ainda tem O sanfoneiro só tocava isso, que é uma das mais tocadas em época de São João.

A que você atribui tanto tempo fazendo sucesso?

Ah, ao talento dele, né? Logo que ele apareceu, veio propondo mudanças na estrutura da marchinha de carnaval, que na época, quando os mestres eram Lamartine Babo e Braguinha, eram maiores e mais elaboradas. Meu pai veio pouco depois, trazendo uma marcha mais enxuta, em 4 por 4, ou seja: quatro versos na primeira parte e quatro na segunda. Assim como depois dele ainda veio o João Roberto Kelly, com a marcha naquela batida que puxa o salão.

Os assuntos também tinham apelo popular...

Ele via assunto em tudo e o estalo vinha a qualquer hora. Às vezes, pintava a ideia no elevador do prédio da Sbacem... E desandava a batucar e a cantar. O ascensorista ficava maluco! E cantava com uma voz em falsete, lá em cima, no limite do agudo, como um instrumento de sopro. Daí o apelido Clarinete, usado pelos os amigos mais chegados. Mas tinha uma coisa: ele testava as músicas no Bloco da Bicharada, que ele comandava no Jardim Botânico, antes de serem gravadas para saber se iam fazer sucesso. Foi assim com Pra seu governo, Alá-lá-ô, Índio quer apito – que fez um sucesso enorme antes mesmo de ser gravada pelo Walter Levita. Antes do carnaval, todas fizeram sucesso no Jardim Botânico.

Era o bairro dele, né?

Era. Nasceu na Rua Pacheco Leão, na vila operária da fábrica de tecidos, onde meu avô trabalhava e onde ele trabalhou também, antes de virar guarda. E foi na escola da fábrica que meu pai estudou aprendeu música: piano, clarineta... Tocava mais ou menos, o suficiente para consumo próprio. Foi presidente do Carioca Esporte Clube, que está lá até hoje, na Rua Jardim Botânico. Comandava o Bloco da Bicharada, maior bloco do bairro por décadas, dos anos 30 até os 60. E morreu na Rua Faro, nº 40, onde morava em 1965. Um ataque cardíaco à uma da manhã, o cuco cantando. Morreu cedo, a dois dias de completar 55 anos.

...embora tenha sido atleta.

Foi jogador de basquete e jogava muito. Tanto que foi seis vezes campeão estadual. Primeiro, foi tri pelo Botafogo. Mas depois houve um desentendimento entre o técnico (Togo Renan Soares) Kanela e o Carlito Rocha, presidente do Botafogo, e todos saíram de lá para o Flamengo, onde ele foi novamente tricampeão. Mas o time de coração dele era o Botafogo, ao contrário de todo mundo lá em casa, que assim como eu é Flamengo.

O Bloco da Bicharada saía exatamente onde?

No início, saía ali da Rua Jardim Botânico, em frente à casa do Antonio Canalini – uma casa que tem uma águia no alto da fachada e hoje fica em frente ao restaurante Filé de Ouro. Subia a Pacheco Leão até o botequim da Lili, que ficava na segunda esquina daquele quarteirão do restaurante Couve Flor. De lá, descia de volta para a Jardim Botânico, andava até a Rua Conde Afonso Celso, fazia a volta e vinha até a casa do Canalini, onde acabava o desfile. Depois é que a casa da águia foi trocada pelo Carioca Esporte Clube. E eu cresci nesse ambiente, desfilando com a fantasia de burrinha. Quando nasci, o bloco já existia. Durou até os anos 60.

Lá seu pai era o rei, né?

E o faz-tudo. Ia à Saara comprar máscaras. Comprava uma só de um determinado bicho, que servia de modelo para o rapaz fazer réplicas iguais. E lá iam os macacos, as girafas, os cangurus, os ursos... Tinha os caras que saíam de urso. Uma vez, no ano da Marcha do faquir, meu pai arrumou um faquir, que tomou um porre e nada de levantar na hora do desfile. Quem bancava era o comércio local, na base do livro de ouro, e os sócios do Jockey Club, que encomendavam seus bichos e saíam todo ano. Dava trabalho, mas era muito bom.

É verdade a história de que ele saía com uma fantasia diferente em cada um dos quatro dias do carnaval?

E quem fazia as fantasias era minha mãe, Sílvia. Tudo baseado nas músicas que ele tinha feito para aquele ano: urso, pescador, bruxa, índio, beduíno... E ela não gostava de carnaval, não saía de casa, nada. Nem ela, nem minhas irmãs, Diana (nascida em 1933) e Darlen (de 1934).

E o Milton de Oliveira, hein? Compunha mesmo ou era caititu?

Olha, o sucesso que meu pai fez se deve muito ao Milton, viu? Eu diria que 70, 80, 90% foi graças ao Milton, que trabalhava a música, mostrava aos intérpretes, levava às emissoras de rádio, entregava as músicas aos blocos, às orquestras de baile... Meu pai não gostava de dar entrevista, detestava ir ao rádio, tudo isso. Era artista e ponto. Quem cuidava disso tudo era o Milton. Era o trabalhador, que fazia com que as músicas aparecessem.

Mas letra e música eram do Haroldo, não?

Já leu o livro do Nestor de Hollanda, Memórias do Café Nice? A história está lá. Mas o fato é que o sucesso do meu pai se deve em grande parte ao Milton. Uma vez, fui gravar um programa de TV sobre meu pai e o entrevistador ficou tentando fazer com que eu falasse do Milton. Parei a entrevista e perguntei: você me chamou aqui para falar de Haroldo Lobo ou para malhar o Milton de Oliveira? Não conte comigo!

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