Fla-Flu? Garantido e Caprichoso?!! Chimangos e maragatos?! Republicanos e democratas?!!! Qual o quê! Rivalidade pra valer foi Marlene-Emilinha, que a partir de meados do século passado polarizaram as paixões dos ouvintes de rádio do Brasil inteiro. De um lado, os marlenistas. Do outro, os emilistas.
O início da história remonta a 1949, ano da terceira edição do concurso Rainha do Rádio, promovido pela Associação Brasileira de Rádio e que nas duas edições anteriores foi decidido no voto dos jornalistas, tendo como vencedoras as irmãs Linda (1947) e Dircinha Batista (48). Agora, o voto seria popular e feito através de cupons comprados a um cruzeiro – o dinheiro arrecadado seria revertido para a construção do Hospital dos Radialistas, em Botafogo.
Artista mais popular da Rádio Nacional naquele ano de 49, Emilinha Borba (1923-2005) era a favoritíssima ao prêmio e teria sido coroada não fosse a grande surpresa daquele certame. Uma surpresa que começou como uma estratégia da Companhia Antárctica Paulista, que se preparava para lançar o Guaraná Caçula e procurava um novo nome para despontar juntamente com o novo refrigerante.
O nome encontrado foi o de Marlene, que ainda não parecia ser páreo para Emilinha, mas já tinha lançado seus primeiros sucessos (como a marchinha Coitadinho do papai) e despontava em noites elegantes como as do Hotel Copacabana Palace. Foi, aliás, no Copa que ela encheu os olhos e ouvidos dos manda-chuvas da Antárctica, que viram nela a perfeita garota-propaganda para a campanha que arquitetavam.
Um cheque em branco da fábrica de bebidas foi o suficiente para levar Marlene ao trono (com 529.982 votos) e deixar boquiabertos todos que acompanhavam as apurações periódicas do certame. A surpresa seria ainda mais apimentada pelo fato de o segundo lugar também não ter ficado com Emilinha, mas com Ademilde Fonseca (345.590 votos), a Rainha do Choro, estrela da Rádio Tupi que teve como cabo eleitoral o mega-empresário Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados.
Os fãs de Emilinha não perdoaram a vitória do marketing sobre sua amada (3º lugar no fim das apurações) e concentraram sua ira sobre Marlene, cujo fã-clube respondeu na mesma moeda. Era o início de uma pinimba interminável que atravessaria décadas ganhando jornais, revistas, mesas de café, as forças armadas (Marlene era a “favorita da Aeronáutica” e Emilinha, “a favorita da Marinha”), estudos acadêmicos, musicais...
E, naturalmente, o auditório da Rádio Nacional, onde as vaias de ambas as partes inviabilizavam qualquer tentativa de dueto ao vivo. Era melhor que cada uma cantasse na sua freguesia – no caso, os programas de Manoel Barcelos (onde Marlene era exaltada aos gritos de “É a maior!”) e César de Alencar (onde Emilinha era venerada com o grito de guerra “a minha, a sua, a nossa favorita”). Enfim eleita rainha do rádio em 1953, Emilinha seria também a homenageada da primeira edição do nosso Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas, em 2006.
É bem verdade que o breve namoro de Marlene com o cantor Nilton Paz, ex-namorado de Emilinha, não bateu bem no coração da rival. Mas o moço esteve longe de ser o motivo do racha entre as duas, que aliás nunca foram grandes amigas nem inimigas (“Rivais sim, inimigas nunca”, diria Marlene). Mas protagonizaram – como divas de seus fãs-clubes – uma das rivalidades mais acirradas do país no século passado.
Uma rivalidade que marcou época, ajudou a catapultar a fama de ambas e que ainda hoje tem seus estilhaços – quem duvida que veja os fóruns de discussão e blogs pela internet. Mas que, cá entre nós, não passa de um tempero (apimentado, é verdade, mas um tempero) nas trajetórias brilhantes e repletas de grandes sucessos como foram as carreiras de Marlene e Emilinha Borba.
Grande sucesso, aliás, foi o que não aconteceu com as três músicas gravadas em dueto pelas antagonistas e que ficaram como lembranças musicais (às avessas) da famosa rivalidade: o samba Eu já vi tudo (Peterpan e Amadeu Veloso) e as marchas A bandinha do Irajá (Murilo Caldas) e Casca de arroz (Roberto Roberti e Arlindo Marques Jr.). Lançamentos de 1950 pela Continental, que era a gravadora das duas cantoras e que, segundo Marlene (na biografia Marlene – A incomparável, de Diana Aragão), impôs as gravações em dueto.
A bandinha do Irajá
Murilo CaldasA bandinha do Irajá
A bandinha do Irajá
Já, já chegou
Vamos brincar
Que barulho infernal
Faz a bandinha do Irajá
Seu Irajá
Vem na frente de baliza
Com a garotada
E Dona Elisa
Quem vem trocando o clarim
É o seu Didi
Bandinha igual a essa
Minha gente
Eu nunca vi
Clique aqui para ouvir Marlene e Emilinha cantando A bandinha do Irajá.
Casca de arroz
Roberto Roberti e Arlindo Marques Jr.
Chiquita Bacana
Que papelaço
Foi fazer no Japão
Quis concorrer
Com a madame faz-que-foi
E apareceu vestida
Com uma casca de arroz
Foi vaiada
Pobrezinha da Chiquita
Ficou parada
E não saiu da fita
Ela não supôs que lá no riscado
Existencialismo fosse tão adiantado
Clique aqui para ouvir as duas fazendo dueto em Casca de arroz.
Eu já vi tudo
Peterpan e Amadeu Veloso
Eu já vi tudo
Tu queres me contrariar
Esse prazer eu não te dou
Não dou, não dou
Nem hei de dar
Se não gosta do samba
Poir favor
Outro amor vá procurar
Queres que eu deixe de sambar
Mas isto não pode ser
Nasci e me criei no samba
E no samba eu hei de morrer
(Meu amor, não pode ser!)
Clique aqui para ouvir o duo das rivais em Eu já vi tudo.
Por fim: as duas cantoras, já veteranas, se espetaram num bate-papo exibido em 2003 no programa Jovens Tardes, da Rede Globo. O encontro está postado no YouTube e vale muito a sua audiência.
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