quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Canta, Marlene: “Didonde nós passemo dias feliz de nossas vida”

Corria na família de Marlene a história de que eles eram descendentes do italiano Galileu Galilei (1564-1642). História possível, mas difícil de ser comprovada... O que se sabe é que, mais ou menos dois séculos e meio após a morte do genial cientista e astrônomo, os avós da cantora desembarcavam no Brasil, como tantos italianos, indo morar em São Paulo.

Pois foi lá que a cantora nasceu, no bairro da Bela Vista – mais precisamente no Hospital São Paulo, na Rua Frei Caneca. No dia 22 de novembro de 1922. Não chegou a conhecer o pai, o ítalo-brasileiro Vittorio (de origem romana), falecido de tuberculose pouco depois de seu nascimento. O sustento da família coube à mãe, Antonieta (de origem calabresa), que deixou a vida de dona-de-casa para trabalhar como costureira e professora do Instituto Nacional de Surdos de São Paulo.

Vida difícil, sobretudo pela apoio financeiro negado a Antonieta e filhos pela família do falecido Vittorio – uma “família de posses”, como conta Marlene no depoimento à jornalista Diana Aragão. “Havia muito respeito, mas ajuda financeira, não.” Uma infância pobre e puxada como a maioria dos brasileiros, vendo os irmãos trabalharem desde cedo e também arregaçando as próprias mangas para colaborar no sustento de casa.

Adoniran Barbosa, compositor de 'Saudosa maloca'
Vivendo em São Paulo até 1941, foi lá que nossa personagem frequentou as salas de aula (primeiro no Grupo Escolar Júlio Ribeiro, depois no internato do Colégio Batista Brasileiro e, por fim, na Faculdade de Comércio), teve o primeiro emprego (num escritório de representações de fumo, na Praça da Sé, onde aliás começa a fumar) e se esquivou dos preceitos batistas da mãe para se arriscar nas primeiras cantorias no rádio (primeiro na Bandeirantes, depois na Tupi).

A partir daí, fez história no Rio de Janeiro e nos palcos de onde quer que se apresentasse, mas nunca perdeu o vínculo com sua cidade natal. Uma cidade que serviu de cenário para uma das gravações mais expressivas que realizou em sua discografia: a do samba Saudosa maloca, do conterrâneo Adoniran Barbosa, feita pela Sinter em 1955 – mesmo ano de lançamento desse samba, em gravações dos Demônios da Garoa (na Odeon) e do próprio Adoniran (na Continental).

Saudosa maloca
Adoniran Barbosa

Si o senhor não lembrado
Dá licença de contá
Que aqui donde agora está
Esse adifício arto
Era uma casa véia
Um palacete assobradado
Foi aqui, seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Mas um dia
Nós nem pode se alembráVeio os homi c’as ferramentas
Que o dono mandô derrubá
Peguemo
todas nossas coisa
E fumo pro meio da rua
Preciá a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táubua que caía
Duia no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
“Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugar”
Só se conformemo quando o Joca falou:
“Deus dá o frio conforme o cobertor”

E hoje nós pega as páia nas grama do jardim
E prá esquecê nós cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Didonde nós passemo dias feliz de nossas vidas

Clique aqui para ouvir Marlene cantando Saudosa maloca.

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